Quarentena com fome: impacto social e econômico do isolamento a longo prazo no Brasil pode ser devastador

Quarentena com fome: impacto social e econômico do isolamento a longo prazo no Brasil pode ser devastador

Por Priscilla Negrão – Publicado em 20/03/20

Fecha tudo! Coloquem o exército na rua! Obriguem todo mundo a ficar em casa! Não é férias! Todos os dias chegam mensagens e postagens desse tipo pelas redes sociais em nossos celulares. Mas antes de repassar ao próximo grupo, você já se perguntou porque que será que alguém se arriscaria a pegar um vírus que dizem ser tão mortal e que fez o mundo todo entrar em pânico?? A explicação é bem simples e está nos dados do IBGE: apenas 23% dos brasileiros que trabalharam ou procuraram emprego (PEA) em 2019 tinham CLT.
Bom, se 39 milhões de pessoas que possuem carteira assinada estão negociando com o chefe pra ficar em casa, e com medo da redução de salários ou de demissão (mas tem rescisão, seguro desemprego…), do outro lado temos:
– 11,6 milhões desempregados
– 38,4 milhões de trabalhadores sem carteira ou CNPJ
– 24,6 milhões de trabalhadores por conta própria
– 4,5 milhões de empregadores
Por isso que é tão difícil pra tanta gente o #ficaemcasa. A população brasileira depende do trabalho de hoje para pagar o pão de amanhã. É o informal, a MEI, o empreendedor, o PJ, o Uber, o 99. E aí o que a pessoa faz? Sai pra trabalhar, fazer bico, tentar vender algo, fazer seu trabalho de sempre.

Entre pegar Coronavirus e ver os filhos passando fome ou sem teto, a mãe escolhe Coronavirus.

Mas com a quarentena, muitos sequer estão conseguindo trabalhar, principalmente os informais que vendem produtos e serviços. A quarentena é essencial neste momento, mas o impacto social e econômico do isolamento a longo prazo no Brasil pode ser devastador.
Ou seja, pra muita gente, quarentena é sinônimo de privação, de fome, de perrengue. Menos para os famosos, os influencers, as celebridades, que ficam postando sua rotina na quarentena no conforto e no luxo de suas casas e vidas. A “quarentena” da vida real não é tão glamourosa como nas redes sociais, são muitas pessoas em casas com poucos cômodos, pouca ventilação e saneamento básico precário, sem água para lavar a mão, sem Netflix e álcool gel.
E mesmo de quem tem renda, ainda está longe da quarentena cheia de fotos do “look do dia” para ficar em casa. Não tem glamour: para se ter ideia, o rendimento mensal do brasileiro em 2019, segundo IBGE, foi de R$1.438,67 por pessoa.
E agora? Se não fechar tudo de maneira obrigatória, as pessoas podem morrer de Coronavirus. Se fechar, as pessoas ficam sem renda e podem morrer de fome e desnutrição, não podem comprar remédios, ou perdem suas casas, pegam doenças, – dengue, sarampo, diarreia – ou morrem vítimas da violência, que vai aumentar com a crise econômica.
Não é uma decisão fácil. Não se trata de apenas combater uma epidemia. Se trata de uma escolha cruel: quem vai pagar essa conta e como? Com dinheiro? Com a saúde? Com a vida? Ou com o próprio futuro, seu e das suas próximas gerações?
Isso porque a faxineira que perde o emprego hoje perde capacidade de dar chances melhores para seus filhos, o que impacta a mobilidade social de gerações da sua família. Dado o histórico nacional, já sabemos que ao final, as camadas mais pobres da população serão as mais prejudicadas.

É uma verdade indigesta: quarentena é um privilégio de classes.

Quem pode – as classes mais ricas – faz isolamento e homeoffice. Quem não pode, trabalha enquanto conseguir – visto a fiscalização que a Polícia Militar está fazendo nos comércios que desesperadamente insistem em abrir – ou trabalha para que outros possam fazer suas quarentenas em segurança.
Afinal, para uns terem netflix, água, luz, delivery, internet, segurança, ruas limpas, lixo recolhido, polícia, serviços essenciais, etc, tem toda uma população sem direito a quarentena, assim como os profissionais de saúde que estão lá arriscando suas vidas. Para todos esses só podemos agradecer por todo o sacrifício que fazem por todos os outros e pela nação.
Por isso, antes de sair postando na redes sociais o quanto você tá se sacrificando ficando em casa, veja os dados e compreenda a realidade do seu país. Tenha consciência que no Brasil nem todo mundo pode exercer o poder de escolha sobre suas vidas.
Tenha empatia. Aqui não é a Europa, não é a Coreia.  Somos maiores territorialmente, mais populosos e com mais desafios sociais e muito mais desigualdade. Lá não tem favela, não tem comunidade. Esses países adotaram estratégias de testar em massa a população, mas no Brasil sabemos que não vai ser assim.
Claro que a quarentena é essencial nesse momento, mas faz parte do jornalismo observar que tudo tem dois lados. Esse isolamento nos protege de um mal, mas pode nos matar por outro.

Você já pensou como será que está neste momento a “tia” que vendia café com bolo na esquina do metrô ou do seu escritório?

Ou o faz-tudo que arrumava umas coisas na casa da sua mãe? E o corretor de imóveis, a cabelereira, a manicure, que são autônomos? E o empreendedor que pegou empréstimo e abriu uma franquia no shopping?
Já parou para pensar como deve ser difícil para não ter renda para sobreviver nesse período? Quanto tempo será que a tia do café, por exemplo, consegue se manter? Ela vai passar fome? Perder a casa? Ir morar na rua?
A crise que virá depois que a epidemia passar será devastadora. Por isso, vamos torcer para que a quarentena dure o mínimo necessário, que o panorama sanitário seja avaliado em conjunto com o econômico e a decisão leve os dois fatores em consideração.
Não se pode suspender a quarentena antes do momento seguro, mas também não podemos ficar isolados até que a curva de casos comece a cair, já que há previsões que variam de julho a setembro para isso ocorrer, e até lá o prejuízo econômico será imensurável para um país pobre como o Brasil: pode ser que mais gente morra de fome, pobreza, desnutrição, desemprego e miséria causadas pela crise econômica gerada pela epidemia, do que pegando o Covid-19 em si.
Sobre Priscilla Negrão:

Priscilla Negrão é jornalista, professora e editora-chefe do São Paulo para Crianças.
Vencedora do prêmio de jornalismo Procel, Eletrobras e WSA da ONU.
Empreendedora com foco em impacto social e apaixonada pela causa da infância.

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