“O terraplanismo é uma concepção em conflito com todo o conhecimento acumulado e aperfeiçoado sobre o nosso planeta desde a Antiguidade. Para alguém que conheça minimamente a história e as realizações teórico-práticas sobre a forma da Terra, somente em um exercício de forte dissociação cognitiva aderirá à esdrúxula Terra Plana; o fundamentalismo religioso pode patrocinar tal desconexão com a realidade”.
Professor Lang
Li a postagem do CREF sobre a inexistência dos satélites de telecomunicações segundo os terra-chatos – Satélites de telecomunicações não existem, afirmou um aloprado terra-chato! O senhor poderia detalhar mais o tema dos satélites geoestacionários e como eles refutam a estúpida Terra Plana. Agradeço sua resposta.
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira – www.if.ufrgs.br/~lang/
A curvatura da Terra é levada em conta nas modernas tecnologias de telecomunicações por ondas eletromagnéticas. O alcance das transmissões usando a faixa de FM está limitado ao horizonte visual da antena emissora, justificando-se assim que quanto mais alto esteja o transmissor, maior é a abrangência da emissora.
As onipresentes telecomunicações por micro-ondas também possuem alcance limitado, mesmo em terreno horizontal plano, pelo horizonte visual (ou um pouco mais, cerca de 30% a mais, graças aos efeitos de refração). Vide Por que a curvatura da Terra interfere no sinal de micro-ondas?
É usual no nosso cotidiano a existência de torres de transmissão e recepção de micro-ondas, com antenas em níveis diversos, apontando em variadas direções, a fim de captar e enviar ondas para outras torres e equipamentos, caracterizando a chamada transmissão ponto-a-ponto.
Todas as telecomunicações via satélite obviamente consideram a curvatura da Terra. Atualmente existem mais de dois mil satélites de telecomunicações em variadas órbitas, desde as órbitas baixas (entre 160 km e 2000 km de altitude) até as órbitas mais distantes como as geoestacionárias (a cerca de 36.000 km de altitude ou 42.000 km do centro da Terra). Vide Plano da órbita do satélite geoestacionário , Elevação sobre o horizonte do satélite geoestacionário e Para onde apontam as antenas parabólicas que recebem sinais de televisão?
A tecnologia envolvida no sistema GPS (Sistema de Posicionamento Global) somente funciona em uma Terra esférica e é dependente de satélites em órbitas múltiplas a cerca de 20 mil km de altitude. Os períodos orbitais desses satélites são diferentes do período de rotação da Terra e também suas órbitas estão contidas em planos variados, determinando que eles se movam em relação a um sistema de referência fixo no globo terrestre.
As antenas parabólicas receptoras de sinais via satélites geoestacionários ou geossíncronos, existentes mundo afora e, percebidas no nosso cotidiano, atestam indubitavelmente que a Terra é esférica conforme exemplifica-se a seguir. Existem algumas centenas de satélites geossíncronos distribuídos em um cinturão no plano equatorial da Terra, distante cerca de 36 mil quilômetros da superfície do planeta, estacionados em longitudes específicas, isto é, sobre os meridianos terrestres. De acordo com a lista disponível em https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_satellites_in_geosynchronous_orbit , os satélites são identificados através de um código que começa com a longitude na qual se encontram. A captação dos sinais eletromagnéticos no receptor LNB (Low Noise Block) de uma particular antena parabólica é possível se a antena estiver convenientemente orientada. A orientação da antena depende de sua localização na superfície da Terra, identificada pela latitude e pela longitude, e do posicionamento do satélite transmissor dos sinais de interesse.
Em um específico lugar do planeta usualmente é possível chegar sinais eletromagnéticos de muitos diferentes satélites; a antena terá uma orientação adequada a fim de que o receptor LNB, na ponta da antena, capte exclusivamente os sinais de um particular satélite. A direção da qual chegam as ondas eletromagnéticas de um particular satélite pode ser conhecida utilizando-se o “Satellite Finder / Dish Alignment Calculator with Google Maps” (“Buscador de satélites / Calculador do Alinhamento da Antena com Google Maps”), disponivel no seguinte endereço: http://www.dishpointer.com/.
Este interessante “Buscador” possui uma lista com centenas de satélites e pode ser usado em todo o globo. Ao selecionar a localidade da antena e o satélite de interesse, o “Buscador” fornece em um mapa do Google a direção da qual é proveniente a radiação eletromagnética, além de outras informações, inclusive identificando obstáculos nas proximidades do local. A direção é definida por um azimute (ângulo com o eixo norte-sul) e por uma elevação (ângulo com a horizontal). Como qualquer satélite está estacionado no plano equatorial sobre um particular meridiano terrestre, os diferentes satélites acessíveis em um específico local do planeta encontram-se necessariamente ao norte (sul) no hemisfério sul (norte), alguns no quadrante nordeste (sudeste) e outros no quadrante noroeste (sudoeste). A veracidade das orientações contidas no “Buscador” é atestada pelos técnicos responsáveis pela instalação adequada das antenas pelo mundo afora.
Buscando o satélite 55.5W INTELSAT 34 em Porto Alegre (a capital gaúcha tem latitude de -30o e longitude de -51o ou 51oW), portanto próximo ao meridiano de Porto Alegre já que a longitude deste satélite é -55,5o, o encontramos quase ao norte, no azimute de 351,5o, portanto 8,5o com o norte, no quadrante noroeste, elevado 54,7o com a horizontal, a uma distância de 36803 km da capital gaúcha. Buscando o mesmo satélite na mesma longitude de Porto Alegre e em latitude de +30o (portanto 30o para o norte do equador), o encontramos quase ao sul (azimute de 188,5o portanto 8,5o com o sul, no quadrante sudoeste), elevado 54,7ocom a horizontal, a uma distância de 36803 km deste local na Terra (este local está dentro do oceano Atlântico norte).
Considerando o satélite 70W STAR ONE e três posições na Terra, localizadas no meridiano de -70o ou 70o W, Milare na Venezuela (latitude de +11,4o), exatamente sobre o equador (dentro da floresta amazônica) e Perito Moreno na Argentina (latitude de -46,6o), obtém-se consistentemente que o satélite situa-se ao sul de Milare com elevação de 76,6o, sobre o equador e ao norte de Perito Moreno com elevação de 36,4o. A figura seguinte representa em escala as posições das três localidades na superfície do globo terrestre e as elevações do satélite.
Conforme já notado anteriormente a veracidade das informações sobre as orientações das antenas em todo o mundo é atestada pelos instaladores das mesmas, ou seja, a práxis corrobora indubitavelmente este conhecimento. Os mapas do Google sabidamente funcionam muito bem em incontáveis aplicações práticas, e por estarem teoricamente vinculados à geometria do geoide, outra vez avalizam inquestionavelmente tal conhecimento.
Com auxílio do Google Earth obtivemos as distâncias que Milare e Perito Moreno se situam da linha do equador, sendo respectivamente 1253 km e 5162 km. Desta forma pudemos traçar em escala na figura abaixo as linhas de orientação da radiação eletromagnética oriundas da mesma fonte (o satélite 70 W STAR ONE) em um diagrama consistente com a anacrônica Terra Plana. Vemos na figura que as três linhas verdes não mais se interceptam em um único ponto; as intersecções sobre o equador da Terra Plana se encontram a 3806 km e a 5260 km, atestando desta forma o absurdo que um modelo de Terra Plana acarreta.
O terraplanismo é uma concepção em conflito com todo o conhecimento acumulado e aperfeiçoado sobre o nosso planeta desde a Antiguidade. Para alguém que conheça minimamente a história e as realizações teórico-práticas sobre a forma da Terra, somente em um exercício de forte dissociação cognitiva aderirá à esdrúxula Terra Plana; o fundamentalismo religioso pode patrocinar tal desconexão com a realidade. Aliás, vemos o exercício de dissociação cognitiva sendo realizado em vídeos da internet quando, com pretensas medidas, os autores tentam suportar a Terra Plana usando os mapas do Google ou o Google Earth em algumas de suas mensurações.
Vide a palestra realizada na UNISNOS em 31/05/2017: Sobre a forma da Terra