A Sra. Ellen White era trinitariana? Como se posicionavam os pioneiros da Igreja Adventista com respeito a Trindade? Por quanto tempo a Igreja Adventista permaneceu antitrinitariana? Por que, e como aconteceu a transição do antitrinitarismo para o trinitarismo?
Antes de responder a estas questões, e outras mais, é necessário fazer um estudo preliminar sobre o significado original da palavra “espírito”, que em grego se escreve “pneuma”, e em hebraico, “ruwach”. O Novo Testamento foi escrito pelos apóstolos em grego, e sempre usaram a palavra “pneuma” para se referir ao espírito. Pneuma, no idioma grego significa ar, respiração, pensamento, mente, espírito.
Da palavra pneuma, surgiu o termo “pneumático”, referindo-se a tudo que funciona com ar. Também na medicina há termos derivados de pneuma. Por exemplo: Pneumonia, pneumologista. No Antigo Testamento a palavra hebraica “ruwach” é traduzida para o português com a palavra “espírito”. Significam, portanto, as palavras ruwach, pneuma e espírito, a mesma coisa.
Na Lição da Escola Sabatina, página 168, citando o DAS-Bible Comentary, está explicado de uma maneira bem clara o signifcado de “ruwach”. Vejamos:
“A palavra traduzida como espírito provém da palavra hebraica ruwach, traduzida como respiração, vento ou espírito, no sentido de vitalidade, coragem, temperamento ou ira. Também se refere à disposição. Em outro lugar da Bíblia, ruwach é traduzida para indicar o centro das emoções, a mente, a vontade, o coração, o caráter moral e o Espírito de Deus. Nunca é usada para designar uma inteligência capaz de existir à parte do corpo físico. O que retorna a Deus é o princípio de vida dado por Deus ao homem.”
A Bíblia nos ensina que a palavra “espírito” signifca:
A – Parte não-material e inteligente do ser humano:
“Porém, havendo-lhe eles contado todas as palavras que José lhes falara, e vendo Jacó, seu pai, os carros que José enviara para levá-lo, reviveu-se lhe o espírito.” – Gênesis 45: 27.
B – Princípio que norteia as pessoas:
“Tendo, porém, o mesmo espírito da fé, como está escrito: Eu cri; por isso é que falei. Também nós cremos; por isso, também falamos.” – II Coríntios 4: 13. “… para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele.” – Efésios 1: 17.
C – Ser não-material bondoso que ajuda as pessoas, anjo:
“Não são todos eles espíritos ministradores, enviados para serviço a favor dos que hão de herdar a salvação?” – Hebreus 1:14.
D – Ser não-material maligno que prejudica as pessoas, demônios:
“Então, vai e leva consigo outros sete espíritos, piores do que ele, e, entrando , habitam ali…” – S. Mateus 12: 45, (grifos nossos). Antes de darmos continuidade em nossas análises, queremos salientar o fato de que todas as vezes em que aparece na Bíblia a palavra Espírito e Espírito Santo, no original do Novo Testamento os apóstolos escreveram com letra minúscula, assim também na Bíblia Hebraica, que é a tradução do Antigo Testamento para o português feita por rabinos, sempre é escrita com letra minúscula, indicando que está se referindo a um substantivo comum, ou, a um adjetivo, como por exemplo: mente, coração, anjo, ser e vento, ou, inspiração, coragem, pensamento, ira, moral, entendimento, conhecimento e sabedoria.
Portanto, nunca está se referindo a um substantivo próprio, que sempre é escrito com letra maiúscula. Os intérpretes da Bíblia, em geral, não seguem a regra, e em razão de muitos serem trinitarianos sempre que se deparam com a palavra “pneuma” no Novo Testamento, e “ruwash” no Antigo Testamento, e supõe que elas podem estar se referindo a um deus, traduzem escrevendo-as com letra maiúscula.
Muitas vezes fazem alterações mais profundas, como veremos na análise de alguns textos, nos próximos capítulos. A variedade do significado da palavra “espírito” podemos observar com o seguinte exemplo dado pelo Dr. Rodrigo P. Silva: “Mas a tradição popular, baseada numa leitura literal de Malaquias 4:5 criou a ideia de que, após seu desaparecimento repentino, Elias voltaria à Terra antes do fim dos tempos como precursor do Messias. Jesus corrigiu essa ideia, dizendo que João Batista era aquele que viera no espírito, isto é, na missão do profeta Elias para preparar o caminho de Seu ministério messiânico.” – Comentário da Lição da Escola Sabatina, 29 de março de 2008.
O Dr. Rodrigo, professor de teologia do SALT, interpretou no seu comentário da Lição, a expressão “espírito” como signifcando “missão”.
No Dicionário Bíblico de David Conrado Sabbag, na página 154, lemos o seguinte: “A expressão Espírito Santo em hebraico é ruwach hákodesh. Já em grego pneuma hagion.
Nas Escrituras vemos exemplos concretos da atuação do Espírito Santo, como: no batismo de Jesus, através de uma pomba que o simbolizava; na transfiguração de Cristo, através de uma nuvem brilhante; quando Jesus passou o poder de perdoar aos apóstolos, através de um sopro poderoso; e, por fim, no Domingo de Pentecostes, através do aparecimento de línguas de fogo. Já para a literatura rabínica, a expressão Espírito Santo mantém o significado de “Inspiração Divina”.” (Ênfase nossa).
Considerando que os judeus, donos do idioma hebraico, desde os tempos de Moisés mantém a expressão “ruwach hákodesh” (“pneuma hagion” em grego, e “Espírito Santo” em português), como signifcando Inspiração Divina, fica clara a razão deles negarem a existência de um Deus-trino. Para os judeus, Deus é único e indivisível, como é afirmado pelo Dr. Sérgio Feldman num de seus artigos: “O Judaísmo constrói como eixo central, o axioma: Deus é um só, uno e indivisível, criador de tudo que existe neste e em outros mundos.” – “Idolatria”, Visão Judaica, fevereiro de 2005, página 3. Num comentário sobre o tratado escrito pelo Rabi Yatzhak Al-Fassi, considerado o pai do judaísmo Sefardita, percebemos que os judeus realmente mantém, até hoje, inalterado o significado da expressão ruwash há-kodesh.
Vejamos: “Um de nossos Sábios fez a seguinte referência sobre o extraordinário trabalho: “…tamanha sabedoria somente poderia ser transcrita com a Inspiração Divina”. À luz de uma tal declaração, concluímos com uma história que demonstra que o Rabi Yitzhak Al-Fassi possuía não apenas mente extraordinária, mas também Ruach HaKodesh – o Espírito Divino.” – Morashá, dezembro 2006, página 30.
Portanto, para os judeus a expressão “Ruwach Ha-Kodesh” continua significando Inspiração Divina, e jamais se refere a um terceiro deus. A expressão Ruwash Há-Kodesh também pode ser interpretada como significando: “Providência Divina”, “Orientação Divina”, “Benção Divina”, “Espírito Divino”, “Palavra Divina”, “Pensamento Divino” e “Instrução Divina”.
Para os judeus existe um claro “assim diz o Senhor”, escrito por Moisés: “A ti te foi mostrado para que soubesses que o SENHOR é Deus; nenhum outro há, senão ele.” – Deuteronômio 4: 35. “Por isso, hoje, saberás e refletirás no teu coração que só o SENHOR é Deus em cima no céu e embaixo na terra; nenhum outro há.” –Deuteronômio 4: 39.
Se você nos acompanhar neste estudo com oração e paciência, verá que ao longo dele chegaremos a uma conclusão bem clara sobre a verdade bíblica referente à Divindade, e a maneira de Sua atuação. Pela variedade do significado da expressão “ruwach”, pode parecer algumas vezes que ocorre uma contradição, mas no final chega-se a uma verdade de acordo com um claro “assim diz o Senhor”.
Usaremos sempre textos da Sra. Ellen White para complementar as análises dos versos bíblicos, e faremos um estudo sobre o posicionamento dela e dos demais pioneiros quanto a Divindade. Seja perseverante Deus quer que as pessoas perseverem no estudo da Sua Palavra. Sendo o assunto da composição da Divindade de cabal importância para os cristãos, cremos que a partir das informações contidas neste compilado você poderá tirar conclusões pessoais sobre essa doutrina.
Em nosso compilado usamos a Bíblia na versão Revista e Atualizada no Brasil, traduzida pelo Padre João Ferreira de Almeida. Paralelamente aos textos do Antigo Testamento transcrevemos também na versão da Bíblia Hebraica. Nos textos do Novo Testamento, quando necessário, paralelamente transcrevemos os textos na tradução original do grego, assim como está traduzido no Novo Testamento Interlinear Grego-Português.
Sobre a maioria das versões da Bíblia que se encontram ao nosso alcance, a Sra. Ellen White escreveu o seguinte: “Vi que Deus havia de uma maneira especial guardado a Bíblia, ainda quando da mesma existiam poucos exemplares; e homens doutos nalguns casos mudaram as palavras, achando que a estavam tornando mais compreensível, quando na realidade estavam mistificando aquilo que era claro, fazendo-a apoiar suas estabelecidas opiniões, que eram determinadas pela tradição. Vi, porém, que a Palavra de Deus, como um todo, é uma cadeia perfeita, prendendo-se uma parte à outra, explicando-se mutuamente.” – Primeiros Escritos, página 220, (ênfase nossa).
Está claro, neste texto da serva do Senhor, que homens doutos mudaram palavras da Bíblia para apoiar suas estabelecidas opiniões determinadas pela tradição que se formou na Igreja de Roma. Daí a necessidade de se transcrever, paralelamente, os textos não tendenciosos que lemos na Bíblia Hebraica, que é a interpretação rabínica do Antigo Testamento, e os textos escritos no original em grego que se encontram no Novo Testamento Interlinear Grego-Português. Nos próximos dois capítulos, procuraremos demonstrar como homens doutos interpretaram voluntariamente de forma errada palavras da Bíblia.
Fonte: O Deus de nossos pais. Reinaldo Reichenbach. p. 8-12.