DESLIGADO NA TERRA, DESLIGADO NO CÉU?

RUBENS SHEFFEL
DESLIGADO NA TERRA, DESLIGADO NO CÉU?
Rubem M. Scheffel
Há algum tempo, um irmão escreveu-nos uma carta queixosa, na qual expunha as razões pelas quais julgava que a comissão da igreja onde congrega havia recomendado injustamente a exclusão de sua filha e de seu genro da comunhão da igreja. Seu coração de pai parecia especialmente ferido porque, segundo entende, a filha e o genro haviam sido excluídos não apenas do seio da igreja, mas também do livro da vida no Céu.
De fato, é bastante generalizada a ideia de que a exclusão de um nome do livro da igreja acarreta fatalmente a exclusão desse nome do Livro da Vida. Este conceito se baseia nas palavras de Cristo a Pedro, em Mateus 16:19, e repetidas depois aos discípulos em Mateus 18:18: E tudo o que ligares na Terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na Terra será desligado nos céus
A igreja Católica tem-se valido desta declaração bíblica para supervalorizar sua autoridade, tendo-a usado inclusive como instrumento de intimidação contra os dissidentes, ao afirmar que Cristo, com essas palavras, está conferindo a Pedro e seus sucessores o poder de abrir ou fechar o acesso ao Reino dos Céus, por meio da Igreja (Ver Bíblia de Jerusalém, nota de rodapé sobre Mateus 16:19).
Em 1864, o Papa Pio IX promulgou um documento, no qual negava acesso à salvação a todas as pessoas que não estivessem em comunhão com o Trono de São Pedro.
(Ver Review and Herald, February 16, 1984: pág. 13.)
A Igreja Adventista, porém, crê que os seus atos na Terra só são ratificados no Céu se forem observadas as instruções contidas na Palavra de Deus. Comentando Mateus 18:18, a Sra. White afirma: “Assim, até a autoridade celeste ratifica a disciplina da igreja, com relação a seus membros, uma vez que tenha sido seguida a regra bíblica.” – Testemunhos Seletos, vol. 1, pág. 390.
Notem a ressalva: uma vez que tenha sido seguida a regra bíblica. Isto coloca as coisas em seu devido lugar, desautorizando a pretensão de que a igreja pode fazer o que bem entende, e ainda contar com a aprovação divina.
A mesma advertência é também repetida com as palavras: “Ao tratar com os membros da igreja que erram, os filhos de Deus devem seguir cuidadosamente as instruções dadas polo Salvador no capítulo 18 de São Mateus.” – Testimonies, vol. 7, pág. 260.
Entretanto, a igreja é administrada por homens falíveis, que nem sempre dão os passos bíblicos, que fazem julgamentos errôneos baseados em informações incompletas, em testemunhos preconcebidos, ou mesmo em total desconhecimento. Às vezes há na comissão da Igreja elementos simpatizantes ou antipáticos ao membro faltoso, que prejudicam a imparcialidade que deveria haver.
Além disso, pode reinar na comissão um espírito de intolerância, falta de amor cristão, ou falta de lucidez causada por intemperança no co­mer. (Ver Conselhos Sobre Saúde, pág. 578.)
Por esses e outros motivos, a igreja pode errar na administração de medidas disciplinares, bem co­mo na admissão de pessoas que se unem à igreja. Muitos se deixam batizar por motivos outros que a verdadeira conversão: porque os pais querem, para poderem casar­-se, para obterem desconto em nos­sas escolas, ou para usufruírem desta ou daquela vantagem.
Pronunciando-se a respeito des­sa realidade, escreveu a mensagei­ra do Senhor:
“Unir-se à igreja é uma coisa, e estar ligado a Cristo é outra coisa bem diversa. Nem todos os nomes registrados nos livros da igreja são registrados no Livro da Vida do Cordeiro. Muitos, embora aparen­temente sejam crentes sinceros, não mantêm viva ligação com Cris­to. Seus nomes foram arrolados, seus nomes foram inscritos nos li­vros de registro, mas a obra inte­rior da graça não se operou no co­ração.” – Testimonies, vol. 5, pág. 278.
“Nomes são registrados nos li­vros da igreja, mas não no Livro da Vida. Vi que não existe um entre vinte jovens que saiba o que seja a religião experimental.” – Mensa­gens aos Jovens, pág. 384.
Ora, se nem todos os nomes re­gistrados nos livros da igreja são registrados no Livro da Vida, é ób­vio que nem todos os nomes excluídos dos livros da igreja são ex­cluídos do Livro da Vida, pois jamais constaram dele.
Vemos, portanto, que há ressal­vas para o que a Igreja liga ou des­liga na Terra, ficando sua ratifica­ção no Céu condicionada a um “as­sim diz o Senhor”. Acreditar na in­condicionalidade, nesse caso, equi­vale a crer que Deus sanciona tan­to os nossos acertos como os nos­sos erros, o que é absurdo. Equiva­le também a pretender ditar nor­mas a Deus, indicando-Lhe os que podem se salvar e os que não po­dem, o que é igualmente inadmis­sível, pois “Deus conhece os que Lhe pertencem” (2 Timóteo 2:19).
O que nos interessaria saber, agora, é como ter o nome inscrito no Livro da Vida, e sob que circuns­tâncias ele pode ser riscado de lá.
Segundo o Comentário Bíblico Adventista, no Livro da Vida “são registrados os nomes de todos os que professam ser filhos de Deus. Os que se afastam de Deus, e que em virtude de sua relutância em abandonar o pecado se tornam en­durecidos contra a influência do Espírito Santo, terão seus nomes apagados do Livro da Vida, e serão destruídos”. – SDABC, vol. 1, pág.668.
Da declaração acima conclui-se que o pecado contra o Espírito Santo é que determina a exclusão de um nome do Livro da Vida (a re­lutância em abandonar o pecado, e o endurecimento do coração con­tra a influência do Espírito Santo levam o indivíduo a cometer o pe­cado imperdoável). Deduz-se tam­bém que a exclusão do Livro da Vi­da é definitiva, isto é, determina a eterna perdição da pessoa.
Isto nos coloca diante de mais um caso em que o ser excluído da igreja não implica exclusão do Li­vro da Vida: quando a igreja age corretamente, mas a falta cometida pelo membro não representa pecado con­tra o Espírito Santo. Se uma pessoa aceita a Cristo como seu Salvador pessoal, é recebida na igreja pelo batismo, e depois, por algum moti­vo, é excluída, mas apesar disso continua sentindo o desejo de per­manecer fiel a Deus, e de adorá-Lo congregado ao Seu povo, tal dese­jo deve ser considerado como evi­dência de que o Espírito Santo continua trabalhando em seu cora­ção, e que o seu nome não foi apa­gado do Livro da Vida.
Se Moisés, Abraão e Davi tives­sem vivido em nossos dias, e fos­sem membros da igreja, teriam si­do, sem sombra de dúvida, excluí­dos – o primeiro por homicídio, o segundo por adultério, e o terceiro por homicídio e adultério.
E o que fez Deus? Riscou-os do Livro da Vida? Não. Deu-lhes antes oportunidade de arrependimento. Eles se arrependeram, e foram reintegrados ao favor divino. En­quanto Abraão e Davi aguardam no pó da terra o cumprimento das promessas (ver Hebreus 11), Moi­sés já se acha fruindo vida eterna.
Por outro lado, pode-se dar tam­bém o caso de alguém cometer pe­cado contra o Espírito Santo, ser riscado do Livro da Vida, mas conti­nuar constando no livro da igreja.
Disso não se deve inferir que a exclusão seja destituída de importância. Trata-se antes de uma me­dida disciplinar válida, utilizada pela igreja, para proteger suas nor­mas e demonstrar publicamente sua desaprovação, ao comporta­mento condenável. E também uma maneira de chamar a atenção do membro faltoso para a necessida­de de redirecionar sua vida. “Ten­do se corrigido e humilhado atra­vés da punição, o pecador pode ser novamente convidado a viver uma vida de virtude e fé. O objetivo da punição, por parte da igreja, nunca deve ser a vingança, e sim a re­cuperação do membro faltoso. O membro excluído deve ser objeto de profunda consideração por par­te da igreja, e ingentes esforços devem ser feitos para promover sua recuperação espiritual.” – SDABC, vol. 6, pág. 690.
Ora, se o objetivo da exclusão é recuperar espiritualmente o mem­bro faltoso, não seria contraprodu­cente afirmar categoricamente que o seu nome foi riscado do Livro da Vida?
FONTE: http://www.iasdemfoco.net/mat/querosaber/abrejanela.asp?Id=209

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Traduzir Site »